trompe d'oeil


Cornelius Gijsbrechts (1670). Reverse Side of a Painting. Óleo s/ tela, 67 x 87 cm. Copenhagen: Statens Museum for Kunst.

Fatin-Latour


[1] O realismo é a fantasia mais famosa. Tal como o bom senso é a maior das precipitações. Quem alguma vez sentiu a amargura que é amar alguém sabe que apenas a ilusão dá sentido à vida, tal como apenas depois de se caminhar sobre as águas se sabe o peso que transportamos. Quando se chega ao clássico momento do 'i don't know what to say' é porque realmente percebemos que o importante nunca foi dito.

[2] A realidade é o outro nome para o desencanto. O realismo é a sua máquina de alimentar enganos. A máquina geralmente falha quando quer produzir um engano maior do que o rolamento que lhe fornece a inércia. Um dia, quando quisermos ir lá pôr o óleo da paz repararemos que afinal o motor nunca lá esteve: 'always already gone'. Era tudo inércia.

[3] O realismo funciona como uma misturadora. Mantendo tudo unido faz com que cada elemento perca a sua identidade e produz uma falsa sensação de unidade. No entanto, apenas o realismo pode juntar duas sensações que o destino tinha prudentemente colocado nos antípodas: 'seduced and abandoned'. O maior mérito de abordar a realidade pelo seu flanco ambíguo é que ficaremos treinados para o boca-a-boca com o vírus da dúvida.

[4] O realismo é um veículo onde a marcha a trás é a primeira mudança. Quem nele for convidado a embarcar pensará que o solavanco é o movimento normal. Mas depois, quando for pedir contas ao homem do asfalto, queixando-se do piso, ele responderá: 'You must be out of your mind'. Nessa altura perceberemos que quem escolheu as mudanças automáticas esteve certo desde o princípio e nós estivemos apenas fora de nós.

[5] Afinal o realismo não é o veículo, mas sim a própria estrada. A pior das conclusões; tanta coisa para isto: 'Walk a lonely road'. Nem sequer é voltar à casa da partida, nem sequer nos apresentou o precipício, nem sequer nos fez esbarrar numa parede, nem sequer nos fez despistar na berma. Apenas uma estrada abandonada.

[6] Eis a grande equação da nossa selva: quem é o parasita de quem, entre o conformismo e o realismo. Quem chupa o sangue de quem. Geralmente o conformismo anda de barriga cheia mas é o realismo que aparece nas revistas. E já se viu muito conformismo ter de levar cargas de realismo às costas. Mas o conformismo genuíno nunca se cansa.

[7] A maior virtude do realismo é conseguir decorar a desistência. Mas toda a desistência disfarça uma má escolha. O realismo descobre então a sua verdadeira vocação como purgador de falhanços. A máquina sem motor vira válvula. O realismo revela-se então como um buraco onde todos nos podemos esconder dando a imagem de que estamos apenas à espera.

[8] O realismo vive de fastio. E o que mais o enfastia é a própria realidade. Para a digerir melhor aquece-a num banho morno de simulações ou contingências. Para um lado parece que está a piscar o olho mas para o outro parece que pestaneja. O realismo pretende ser o tal caçador dos dois coelhos mas que ainda usa o mesmo e único cajado para mexer o guisado

[9] O realismo começou por ser apenas uma das mais nobres inspirações das doutrinas de apaziguamento, depois passou a ser uma das modalidades moralmente aceites para as mais finas hipocrisias e, depois de ter feito de madrinha em várias guerras frias, retirou-se para umas termas vazias. Hoje massaja fígados com amor-de-bílis e ajuda a calafetar excessos de confiança.


Máquina de fazer bettencourtes (VII)

«Os sócios, obviamente, não merecem o que se passou (...). A história do clube terá de voltar a ser grande como sempre foi», terá dito aquela abécula que assina e responde pelo nome de bettencout, e que em ambiente de epidural generalizada logrou abancar de camarote estofado e presidencializar-se na lagartada.

Ora passa-se o mesmo no que concerne aqui a este vosso humilde blog. Este blog é dos seus leitores, e eles não merecem o que aqui se passou. A história deste blog vai voltar a ser grande, como sempre foi, nem que seja preciso «forçar um pouco a mão» - como diria o nosso amigo lacão - numa clássica série de pívia-posts onde, por exemplo, poderia elucubrar sobre os clássicos russos e o efeito dos sonhos com Sónia Marmieladova na mente de um jovem adolescente. É preciso voltar a aproximar este blog dos seus leitores, dignificar o momento nobre que significa ocuparem-se da sua leitura, honrar as dioptrias que generosamente aqui derretem, nem que o lacrimejar provocado pela minha imensa sensibilidade vos espatife o rímel. Postador e leitor têm de estar unidos, doravante deixarão tudo em cada post, como se cada post fosse um fragmento de mimetismo, como se cada post fosse o último post . Voltaremos a ser grandes, devastaremos os todos com a beleza tensa dos detalhes, teremos os tecnoratis aos nossos pés, voltaremos a erguer os cachecóis no ar, nem que seja para linkar o jugular.
No entanto, antes de vos contar os meus sonhos com sónia marmieladova, gostaria de aproveitar esta oportunidade que me é concedida para dizer que se por acaso se lembrarem de colocar umas bandeirolas em brasa pelo cuzinho acima dos jogadores e restante pessoal técnico da lagartada, - massagistas, cabeleireiros e presidentes incluídos - contem comigo para dar um empurrãozinho, ou, se for caso, ir abanando para a brasa nunca apagar.

máquina de fazer crespos (VI)

Não sei se já vos tinha dito mas, noutro dia, a primeira-vampe Bárbara Guimarães, as vampes adjuntas Claudia Vieira e Soraia Chaves e uma executiva da FHM da República Checa encontraram-se à hora do lanche no cabeleireiro de um hotel em Lisboa. Fui o epicentro da parte mais colérica duma conversa ouvida nos secadores de cabelo em redor e inclusivamente na zona da marquesa da pedicure Idalina que tem ouvidos de tísica. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como esteticamente débil por nunca lhes ter feito uma alusão cerimoniosa ou pelo menos posto uma fotografia delas neste blog; seria assim alguém que pouco mais mereceria do que ir para o twitter escrever anedotas de alentejanos ou comentar declarações do Roubini. Fui descrito como um bloggeur impreparado. Que injustiça. Eu que já escrevi posts sobre o Camus, Perec e Clara de Sousa. Definiram-me como um problema, teria de haver uma solução para que eu fosse definitivamente desterrado para o departamento dos blogues sem interesse nenhum, ou, no mínimo, nos blogues religiosos. É fidedigno. O arrumador é meu primo e fez um risco no carro da Soraia Chaves, que pode ser confirmado, ali ao pé da jante, com uma moeda de 50 cents que a Barbara Guimarães lhe tinha dado. Os blogs que não põem as vampes certas nas poses certas, e nem sequer falam do Passos Coelho, pelos vistos não são merecedores da antena mediática que o progresso tecnológico e a liberdade de expressão (vénia) lhes concede. É banal um bloggeeeurrrr sofisticado como este que aqui se esparrama e assina cair no desagrado do vamp system, mas sem essa dialéctica só haveria monólogos. Em sociedades saudáveis os contraditórios são essenciais, sem esse contraditório as vampes ficam sem saber o alcance real dos seus silicones, sem saber o efeito anabolizante das suas papadas ou o teor inebriante dos seus superavites de anca, e sem esse confronto só há lugar para yes-vamps cabeceando em redor das suas curvas mais ou menos photoshapadas. Já conseguiram afastar o blog do Pipi por causa do excesso de sarapitolas, já conseguiram afastar o blog do Pulido valente quando disse que a Ferreira Alves só tinha o 12º ano, já silenciaram o neo-calvinismo do Arroja, não tarda ainda censuram o blog do JPP porque ainda nenhuma delas foi fotografada no banco do jardim de Sto Amaro, e agora eu sou mais um problema que tem de ser solucionado.
Mas eu não sou pressionável. Isto está transformado numa comunidade insalubre, repleta de vampes decadentes, onde espíritos livres e esclarecidos como eu são considerados ofensas, máquinas de insensibilidade e falta de gosto. Que pervertido sentido de vamp. Uma perigosa palhaçada.