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( rima em escadinha a descer)



O Outono poderá não passar dum verão decadente.

Vou por isso deixar cair aqui, assim de repente,

um post que caiba na cova dum dente,

mas que é como se fosse um presente

para uma alma nunca ausente:



Um bom manipulador tem nas mãos o número de dedos que quiser

O Outono é também a estação da razão. Mas nem toda a folha que cai é fruto duma estruturada poda. Muitas vezes até se deve mais à precipitação da posição. Ou até à mera gravidade da situação. Hoje, está visto, deixei o kamasutra e passei a Newton, ou melhor dizendo, a um novo tom.



(Cantinho do desfazedor arrogante: já repararam que com este título até já se fazia um post jeitoso nalguns blogs mais iluminados pelo sincretismo. Aqui para compensar o deserto de ideias tem de se fornecer um texto de brinde)



Agora então um post com cabeça, tronco e membros. Não me responsabilizo pelo resto dos apêndices.



Outra coisa sobre a qual também é muito fácil escrever ( para além de sexo) é sobre política e actualidade. O percurso é simples e é este: Tudo se resume à questão de começar por explorar aquela coisa que parece sempre existiu mas que, foi-se a ver, ainda teve de ser descoberta que é a “perspectiva”. Acho que todos podemos ter uma e até em conta, e não a devemos desperdiçar, toca pois a usá-la forte e feio, ou pianinho e bonitinho conforme os gostos e o feitio. Dizem os mais entendidos que se demonstrarmos em público que temos uma perspectiva própria é meio caminho andado para virmos a ter também direito a um decente “enquadramento”, o que vistas bem as coisas nos torna seres mais decorativos e que portanto ficam bem em qualquer sala. Possuirmos assim uma perspectiva pessoal e ainda para mais acompanhada dum enquadramento, fará certamente despertar em nós o sonho de até vir a ter “impressões” sobre as coisas. É este então um estádio mais sofisticado da abordagem do real e que bem pode chegar a levar-nos a colorir a nossa existência e a dos que nos rodeiam. Dizem os que já experimentaram - eu não sei porque praticamente nunca tive uma impressão ( tirando a do BI claro está) - que esta postura perante a realidade leva a ver coisas que mais ninguém vê e quase já houve quem lhe chamasse arrojadamente “intuição”, mas depois desistiram, porque ficou demonstrado que as mulheres é que tinham mais disso, mas como o mundo é coisa de homens foi assunto encerrado. Resumo, e em conclusão: Partindo duma boa impressão devidamente enquadrada numa perspectiva correcta, estamos praticamente prontos para olhar para a actualidade como finos descodificadores, verdadeiros davinces destes sfumatos tempos modernos.



Assim artilhados, pensemos agora sinteticamente num assunto concreto a título de ensaio: os canditados-presidenciais americanos; Bush, por exemplo, aparentemente não teve a sua Mónica, que não teve, mas conseguiu ter uma coligação ( aqui a palavra brasileira “broxada” caia que nem ginja ) a seus pés. Quanto a Kerry, por exemplo, tudo leva a crer que não vai manchar as mãos com o sangue da guerra, que não vai, mas estará sempre refém do ketchup da mulher. Analisemos então estas duas conclusões ( peço desculpa por ser a preto e branco): Qual foi a perspectiva usada: Foi a relação homem-mulher. Qual foi o enquadramento: a atitude perante a guerra. Qual é a impressão que fica : que eu sou um grande estúpido. Vamos ainda a outro exemplo concreto: Santana Lopes não foi eleito directamente pelo povo em êxtase sufrágico, que não foi. Mas reparemos, acabou por se evitar in extremis que os primeiros-ministros pudessem ter sido nomeados pelo programa de computador do Min.Ed.; estaríamos pior, pois poderíamos ver colocado em S.Bento um estagiário tipo Luis Delgado, um jornalista-economista-residente tipo Perez Metello, ou um economista-penitente-residente tipo César das Neves, e/ou até um professor de filosofia a ensinar ginástica, tipo o Prof. Dr. Eng. Astrónomo J. Pacheco Pereira a tentar convencer o P. António Vieira a vir cá fazer um biscate como ministro sem pasta. Qual foi pois aqui a perspectiva usada: a ligação amorosa não consumada entre eleitor-eleito; Qual o enquadramento: o tipo de anti-conceptivo, e a sua eficácia, utilizado nessa relação; Qual a impressão que fica: outra vez que eu sou um grande e irrelevante estúpido.



Moral provisória destas histórias: o trinómio perspectiva-enquadramento-impressão não chega para sermos pessoas crescidas, responsáveis, úteis e respeitadas pela sociedade. Tudo depende duma outra coisa viscosa que anda pelo meio e que tem a sofisticada ( bela palavra ) designação de “pachorra”. E agora eu não estou a conseguir arranjar dessa merda nem enfrascada, nem a granel. Tenho constatado, no entanto, ao longo da vida, que há tipos que fazem verdadeiros milagres apenas com as impressões que vão tendo e muitos nem precisam de se coçar, ou têm quem se coce por eles, o que vai-se a ver, é bem mais discreto.



Só que tenho de reconhecer...parem as máquinas: eu agora repentinamente deu-me uma impressão! Fiquei pois com a impressão de que nós somos governados ou por uma cambada de garotos ou por uma pandilha de grandessíssimas "putéfias". Mas que raio, vejo agora, que faz todo o sentido! pois também era destes que Jesus “dizia” sentir-se mais próximo, ora deixando-se acariciar pelos gestos do arrependimento da pecadora ( procurem em Lucas VII - qualquer coisa, que eu agora de repente não estou a ver) ora chamando a si os pequeninos e dizendo que deles é o reino dos céus ( ainda em Lucas lá-mais-prá-frente no XVIII - qualquer coisa). Tudo começa de facto a fazer sentido: Jesus não nos faltes agora.



Bem...acabou por se perder, está mais que visto, uma visão esclarecida sobre a actualidade a que os leitores destas águas furtadas teriam direito, e a que até estão bastante habituados, mas pode ser que se ganhe o sossego de espírito próprio dos parvos ou dos iluminados.



E, se calhar, vendo bem podia ter ficado só pelo título.
Isto é para despachar já o assunto: o Outono em forma de besunto



A coisa mais fácil que existe para escrever são textos eróticos. O corpo, o sexo, o desejo, a carne, a excitação, a pele, as curvas, a cor, o cheiro, as obscenidades, as posições, o contacto e a falta dele, o explícito e o implícito, o sentido ou o mecânico, o proibido ou o assumido, o insinuado ou o apalpado, são tudo coisas que se prestam com demasiada facilidade ao corridinho das palavras. A exposição do sexo (ou da sexualidade se quisermos ser mais finos) como tema ou como experiência é uma das muitas futilidades em que se concretiza essa actividade também fútil que é escrever. Perdida a função de provocação teórica, de satisfação da curiosidade, ou da excitação psico-somática, a escrita erótica soa-me sempre a pura banalidade quer venha disfarçada de lengalenga poética, quer venha disfarçada de corruptora científica de convenções, quer venha disfarçada de inebriadora de consciências ou despertadora de inibições, ou original desempoeiramento lírico.


Deixei de ler essas merdas, claro. Estava sempre a perguntar «está bem pronto e então agora?», ou «sim ok, já percebi, e depois fodem ou casam-se?» ou «vá lá, vá lá, assim não nascem putos», ou então mesmo em situações mais desesperadas «se era para isto bem podiam ter lavado as mãos primeiro».



Pois então serve-me para quê saber que a pele daquela gaja é como seda e que lhe meteram a mão entre as pernas e estava húmido? Serve-me para quê saber que uma tesão pode ficar armadilhada num suor mal pingado de nádegas sôfregas por desassossego? Serve-me para quê saber que uma língua se roça onde lhe apetece por causa daquele seu mau ou bom feitio? Serve-me para quê ler que a mulher tem buracos que não acaba e que se podem chamar fendas, ou rasgos, ou portas ou orifícios ou conas ou cus? Serve para quê saber onde é que começa a individualidade do corpo e onde começa a fusão do desejo? Serve para quê ler que um corpo besuntado desliza melhor que um ressequido? Servem-me para quê as hierarquias das erogenidades, se depois vai-se a ver um gajo adapta-se a tudo até às pirâmides invertidas. Serve para quê saber que estão a fazer tudo às escuras e que é no tacto que está a mais valia e no imaginar é que está o ganho? Serve para quê saber que tudo começou num beijo e que depois acaba num beijo também, numa espécie de sexo capicua? Serve-me para quê saber que numas determinadas curvas de mulher se esconde uma brigada de prazer, que nem faz operações stop nem nada, porque vive um sexo sem códigos? Serve-me para quê saber que a mulher dissimula se quiser e se não quiser também e que até pode ser o vice-versa? Serve-me para quê saber que o corpo umas vezes mente, outras vezes engana, e das outras fica indiferente? Serve-me para quê saber que o corpo afinal nunca mente quando estremece de trás para a frente, e que é na sua linguagem que se desvenda o segredo de muita gente? E serve para quê ler a descrição duma trança de corpos a fazer um carrapito bem jeitoso se não somos nós os cabeleireiros de turno?

Precisar de ler para imaginar é uma espécie de jurássico do pensamento. Precisar de imaginar para viver é uma prisão para alma.



A escrita porno-provativo-erótica ainda para mais tem a triste consequência de rebentar com a dignidade de certos verbos que até podiam ter uma vida sossegada e viver com as legítimas e respectivas substantivas numa união semântica tradicional, serena, e cumpridora. Atentemos em verbos como “lamber”, “chupar”, “comer”, "morder", “roçar” entre outros, que ficaram com a fama completamente destruída com sua apropriação pela cinética erótica que não se contenta com a semântica que deus nosso senhor especificamente lhe atribuiu, e que anda praí a estragar famílias de palavras por todo lado. Eu já nem falo de “enfiar” e “meter” porque essas estavam mesmo ali a pôr-se a jeito, mas minha rica mãe até “tocar” passou a ser um verbo refém do erotismo! Ao que isto chega; um verbo que trazia consigo uma musicalidade e um intimismo tão forte, e agora só de pensar que na sua utilização com a gaita-de-beiços ou de foles permite criar um ambiente estonteante de sexualidade implícita, só que depois até vai-se a ver era apenas um tal de preliminar. Porra até "preliminar"!



Pois é, a escrita dita erótica apresenta-se de uma inutilidade atroz, e ainda para mais faz o escrevedor refugiar-se em rasteiros vícios de escrita como sejam os diálogozinhos ou as dissertações, e pior: encapotar as cenas de sexo no melaço dum enredo idílico como se elas não fossem o objectivo essencial do negócio. Ter de demonstrar que por detrás daquele reboliço mais ou menos encavalitado estão duas ( versão mais decente) pessoas, passa muitas vezes por lhes expor os pensamentos, ou as emoções, ou mesmo – espantemo-nos – as palavras, ora porra, se era para isso iam para uma esplanada beber uns ginger ales e escusavam de estar a sujar os lençóis, que depois para os lavar lá vai mais detergente e borracha para o nível freático!

E reparem que para dizer pila basta ter de levar os miúdos ao infantário, e para imaginar um pipi basta ver os anúncios do evax tanga. E felizmente não cheira.



E esta recente vaga de mulheres a exporem a sua sexualidade pseudo-mitológico-desinibida apenas reflecte uma fase de excesso de livros de culinária no mercado.





E eu agora até queria mandar os parabéns daqui ao Seta Despedida, mas com este texto fico um bocadinho à rasca.
Outono em Berlim. As bolas é que foram para Pequim. Nem toda a gente as pode ter no sítio



O Outono vende-se muito bem. É como os homens que se vendem a si próprios bem melhor do que as mulheres. O Outono a seu dono.



Não me conhecem, mas lá está, eu sou aquilo que se costuma chamar uma jóia de rapaz. Não se encontra assim, não, sou um achado pode-se mesmo dizer. Sou aquela coisa que se planta no enxerto do homem bom com o homem de confiança. Não, não se apanha em qualquer par de dança, e nem é fácil de descobrir parecido ali ao dobrar de qualquer esquina. Sou mesmo coisa fina, até poderia dizer, se quisesse rimar, mas não quero,

apenas vos quero enganar.

Mas tenham cuidado pois posso vir a deslumbrar, e assim de repente, não estou a encontrar o melhor repelente, mas eu se fosse a vocês até me deixava ficar, é que eu estou apenas a tentar-vos agradar, não vos quero fazer mal, afinal de contas sou inofensivo,

que não é o mesmo que ser defensivo,

por isso é que se deve desconfiar das “terminações”, e se calhar dalgumas suposições, mas eu estou só a desviar-vos as atenções para não se darem conta de que vos quero convencer, e assim nem reparam que sou um homem de fazer desfalecer, quase de ficarem sem respiração, um bom político

não sei se estão a ver,

e se quiserem escapar-me das mãos disfarçando-se em escorregadia geleia, eu transformo-me em pão torrado e atraio-vos de qualquer maneira. São segredos muito meus está bom de ver: faço-vos a caminha, aliso o travesseiro, acaricio-vos o joelho, e ponho-vos a alminha a nu,

pois « quand un homme aime une femme

D’abord, il la prend sur ses genoux
»


Que isto são técnicas, que até chegam a pôr as pessoas frenéticas, que reparem bem! Mas lá está, que um homem assim não pode deixar ninguém indiferente, que até pode parecer irritante, que reconheço, mas que é mesmo assim. Só que – efectivamente, de vez em quando tem de se dizer efectivamente - o homem sonhado pode ser encontrado,

para quê deixar ainda mais isso recalcado.


Mas eu percebo a estupefação. Não sou coisa que pareça poder estar à mão, e de repente parece que estou aí, à mercê de quem me lê. Como uma rima com pernas. Um homem em que tudo faz sentido e até tem um chorar divertido, pois mesmo lendo a dor acaba por nunca ficar ferido.

« Mais voilà

Je n’ais pas

Assez goût pour les livres

Et je songe trop à vivre »


Só que “viver cansa” como já nos disseram, mas eu pedia-vos agora que não acreditassem nessa poesia estéril, é como uma mulher sem um vison, porque «il est évident que le poète écrit / sous le coup de l’inspiration / Mais il y a des gens à qui les coups ne fons rien» e eu não sou como aqueles poetas que se limitam a fazer pendant da cuequinha com o soutien, explorando a ropinha interior, não senhor! Aqui tudo é genuíno, tanto o outono

como a falta de tino.


Mas o que é mesmo mais espantoso e incrível, é que eu até controlo as inclinações como um nível, podem mesmo confiar em mim, que sim, que eu até vivo naquela bela “estupidez” de estar sempre a pensar em vocês, garanto-vos, sou a verdadeira alma sã

«et je pense trop aux gens

Pour être toujours content

De n’écrire que du vent.»


Que, lá está.



E estes meus posts foram pensados para serem lidos em voz alta, sincopados, vereis, sereis de certeza mais bem pagos, pois Deus reembolsa a quem dá uns trocados, aos pedintes de atenção, aos que apenas estendem a mão para ficar a olhar para ela - tivesse Adão ficado a olhar para a maçã ou não tivesse eu de ir buscar a minha filha às tantas da manhã, e o meu corpinho não estaria em perda e não teria escrito esta merda.



As frases itálicas e entre aspas foram retiradas das “Cantilenas em Geleia” de Boris Vian. Ed bilingue da Relógio d’Água, 2004
Outono rima com abandono. Bela merda de rima.



A única mulher que abandonou Picasso foi Françoise Gilot, que ficou para sempre como a sua “mulher – flor”. No primeiro dia em que lhe pediu para que se despisse ficou a observá-la durante mais de uma hora sem tocar em nenhum pincel e mais tarde chegou a dizer-lhe que “todos nos parecemos com um animal menos tu”. Picasso não suportou bem essa "derrota" mas já há algum tempo que tinha encontrado em Jacqueline mais uma substituta “servil”; para Picasso as mulheres eram meras utilidades.



Mas o que é um “facto” é que apenas a mulher sabe abandonar. O homem quanto muito deixa, não desenvolveu tão bem essa crueldade da ordem do definitivo. O homem é apenas outonal, viverá, no extremo, apenas deixando cair, enquanto que as mulheres: ou dependem ou desprendem. Ou são flores ou são icebergs. Ou são as duas coisas. Porra, já ando às voltas.



Picasso teria dito a Francoise que ela era a “única mulher que tinha conhecido que tinha a janela aberta para o absoluto”. Mais uma daquelas frases parvas do gajo, mas agora deu-me para reparar que um dos absolutos do feminino é mesmo o abandono. E que merda, rima mesmo com Outono (e ainda por cima está-m’a dar o sono).



Mas há mais rimas possíveis, e a vida não se regula por coincidências de terminações. O que regula a vida, no limite é o ciclo menstrual; que rima praticamente com tudo afinal, mas se a escolha for: mulher-animal ou mulher- flor, não interessa, que seja uma que não recuse a dor, essa não abandonará no final.


Picasso não passava dum homem quadrado. Daí o cubismo, onde nenhuma mulher encaixaria bem, pois, também no limite, verdadeiramente, nenhuma mulher dá a outra face.
nota: os itálicos são retirados do livro "Picasso y las Mujeres" de Paula Izquierdo, Belacqua de ediciones, Barcelona, 2003

A opção era outono, ou tino. Escolhi outono. Não sei se terei feito bem



(durante esta estação há fortes possibilidades deste desterrado blog se ir erraticamente dedicando à empolgante e originalíssima guerra dos sexos; será tudo a bem duma saudável queda da folha)



Hoje é especialmente dedicado a alguém que esteja ainda “segurando o queixo” enquanto “pressente” cabeças ditas “inconhecíveis”.




O Marquês de Sade logo no início de “Eugénie de Franval” “ ( 1) pergunta-se: «será possível tornar detestados semelhantes desvarios se não tivermos a coragem de os mostrar a nu?» preparando-nos para a “novela trágica” duma relação incestuosa. Mas deste livro fica-me como imagem mais marcante a capacidade de perdoar no limite de uma mulher: (referindo-se à Sra de Franval, mãe de Eugénie ) «Ela desculpava-vos..., rogava ao céu por vós..., pedia sobretudo o perdão para a filha....Como vedes, homem bárbaro, os últimos pensamentos, os últimos votos daquela a quem dilaceráveis eram ainda pela vossa felicidade».

Só que eu sempre achei que o homem não tem jeito para sofrer. Acaba por ter mais jeito para fazer sofrer: «pérfidos, inconstantes, cruéis, ou despóticos», sim os homens são “melhores” nisto. Para as mulheres estaria, como diz o Marquês no final do citado livro, reservada outra dedicatória: «com efeito que outra criatura podia haver mais preciosa e mais interessante aos olhos dos homens que aquela, que apenas amou, respeitou e cultivou as virtudes deste mundo para nelas encontrar, a cada passo, o infortúnio e a dor».


O sofrimento é do género feminino. Ponham-lhe o apelido que puserem. Quanto ao perdão, não sei. Mas o Outono também só começou agora.



(1) tradução portuguesa ed Cotovia, 1992.
Este não é um post sorumbático



O Outono não é de muito boas rimas, mas eu cá me hei-de arranjar.

A natureza pode amarelecer mas não é sinal que esteja a enferrujar.



E como as árvores se vão começar a despir, talvez seja o momento de olhar bem para o sexo dos dias.



Não sei como era o Outono no Éden, mas calculo que maçãs não haveriam;

Adão olharia para Eva, achar-se-iam estranhos, se calhar, mas sorririam.



Deus não gosta de surpreender. Mas gosta que vivamos surpresos

É também por isso, que há homens e mulheres.

Pelo menos foi o que Ele me disse.

Estéumpostàspartes



Parte 1

Merecer é muitas vezes um verbo vazio. Mas também não é propriamente um verbo de encher. É essencialmente um verbo que não se merece a si próprio.

Parte 2

Sentir que precisamos de pedir que confiem em nós é duro. Mas continuo a achar que se deve pedir. Mesmo correndo o risco de não se obter uma “resposta de confiança”, mas vivendo na confiança de que haverá uma resposta. Boa. Boazinha, vá.

Parte 3

A necessidade é um conceito invasivo. Às vezes difícil de suportar. Mas eu gosto dele. Posso até aleijar com ele, tenho a consciência disso. Pode dar um nózinho, não é? Mas o que aperta, em princípio, segura.
Estéumpostàparte



Reparo que nunca tinha fechado um verão assim. Sem chave. Mas com ouro.

.... e ainda de bónus uma segunda dose mais para desopilar; o dicionário não ilustrado de novo nos lugares imaginários nas entradas 879 a 885



A Classe média – Figura sempre desprezada pela geometria euclidiana mas que afinal se veio a descobrir estava encavalitada entre um PPR e uma taxa moderadora



A Europa – Mero recalcamento duma grande Pangeia. Revela-se regularmente em pulsões burocráticas, registam-se recorrentes neuroses de fronteira, e nalguns casos mais perdidos chegaram a verificar-se psicoses de tradição.



A Civilização ocidental – Espécie de figurino cultural que mais não passa da sofisticada teorização sobre o uso de cuecas, calças e camisas; gravata opcional. Mas afinal chegamos à conclusão que quanto muito somos uns eros de chanatos.



O Orçamento – Passarele pouco iluminada de “deves” e “haveres” que se mostram vestidas com poucas transparências mas muitos folhinhos. Aproveitam-se os deco(r)tes.



O Sistema educativo – Sonhado aparelho ao qual os pais ligariam os filhos tornando-os em verdadeiros aspiradores de conhecimento e bons costumes. Os fabricantes de tal equipamento entretêm-se todos os anos a fazer novos manuais de instruções baralhando a rapaziada com o uso dos botões.



A Casa da música – (curiosamente uma das primeiras entradas do dicionário, confirma-se mesmo como o...) Novo paradigma dos lugares imaginários que se caracteriza por não avançar nem a toque de caixa.



O Estado – (versão neo-liberal) Encruzilhada entre os míticos lugares de “O da Joana” e o “Onde a porca torce o rabo”.

Os lugares imaginários povoam toda a literatura, havendo inclusivamente muita dissertação sobre o tema. A nossa condição também se encarregou de ir criando os seus, mais ou menos sofisticados. Será falando dalgumas coisas e dalguns lugares imaginários que hoje o dicionário não ilustrado volta às lides.



Primeira dose nas entradas 869 a 878



A Alma – (apesar de já demasiado desbastada neste dicionário, “revelo” agora que também é...) Algo que vagueia sempre às cotoveladas com um tal de corpo, mas vivem os dois aquela fidelidade esquisita dos amantes que sabem não se conseguir separar, mas também sabem que um dia cada um irá para seu lado.



O Coração – Convenção destinada a encafuar os sentimentos mais finos que não estão preparados para viver a céu aberto.



O Inconsciente – (já disse em tempos que era o “consciente mais in”, no entanto revela-se também como uma...) Espécie de cadafalso que só não soa a falso porque quando se lhe toca ele dá cada chio que só visto.



O Calcanhar de Aquiles – Onde se aconchegam as nossas debilidades, consoladas pelo chamado “mal dos outros”, com o qual todos dizem poder bem, mas que muitas vezes não sabemos é viver sem ele.



O Lar – Onde a ilusão se pode confundir com a realidade, onde a realidade se pode confundir com desilusão, onde a desilusão de pode confundir com a ilusão, e onde até a realidade se pode confundir a si própria. (por exemplo, agora lá em casa ouvem-se canções de natal, não sei se estão a entender...)



O Ponto G – O tal local que sem ser a pedra de toque, parece que quem o atinge põe em risco todo o edifício por causa do estremecimento. Comparado com ele, o Aleph parece uma brincadeira de crianças, e nem guincha nem nada.



O Horizonte – Linha topográfica traçada pela nossa reles óptica de mamífero, mas que se transforma em linha metafísica pela nossa capacidade de alavancar miopias e distancias focais.



A Força de vontade – Espécie de flatulência da alma que se incrusta geralmente nos interstícios da preguiça e tenta convencer a rapaziada que é a solução de todos os problemas, como se um arroto resolvesse definitivamente uma má digestão.



O Umbigo – Esse lugar, espécie de altar do ensimesmamento que parece foi descoberto pelos blogues, não existe de facto. É a mera lembrança dum cordão, e a lembrança de que somos filhos dum corte e por isso seremos sempre reféns duma qualquer união. Como todo o rasgamento é sempre um pretexto para uma nova costura. Mesmo que não pareça.



O “Lugar ao sol” – Aquele que todos desejam para depois poderem reclamar por uma sombrinha

Treinos para o juízo final
ou a história duma bênção inteligente em dia de aniversário



Andava ali um menino, um bocadito sem eira nem beira, rogando uma bênção em cada esquina, fingindo ser um traquina, mas nada, até já tinha perdido a esperança, foi então que lhe veio à lembrança subir mesmo ao monte dos deuses, podia ser que ainda tivessem poucos fregueses e que lhe dessem alguma atenção, quem sabe até uma perene benzedura, porque não há fome que não dê em fartura. Só que à porta apareceu-lhe logo um figurão sem debilidades no artelho «Eu cá sou o Hermes, o que é desejas ó fedelho» e este ainda assarapantado com a inesperada recepção foi tomado pela confusão e soltou-se-lhe a língua qual desalmado cordel «mas tu tens quase nome de doença de pele, será que não tens onde te coçar?» e deixou o “porteiro” pronto a espumar «olha ignorante desbocado, eu por acaso até sou bastardo, mas deixa que te frise, arruíno-te ao próximo deslize» o menino tomou consciência de que não estava em posição de se armar em grande leão «prontos, prontos companheiro, eu só queria subir ligeiro e receber a bênção duma deusa, mas duma deusa em condições, não quero imitações» «ai vem com exigências o menino, e como julga que vai atrair as benesses duma deusa com essa verve tão presa e esse pensamento tão rasteiro» «pedir-te-ei que sejas o meu mensageiro» Hermes topou-lhe as tácticas e as mudanças de tons «ah! então agora acaricias o meus dons, bem... vou-te dar uma ajuda» o menino confirmava assim que toda a sorte um dia muda «E olha lá Hermes achas que tenho afinal de treinar alguma habilidade especial» «ora deixa-me cá ver, se eu conseguir convencer aquela deusa que tenho aqui em mente, talvez se declamasses assim de repente um poema do Kavafis...» «É pá isso é que não me peças! Eu arruíno a minha imagem se me meto numa coisa dessas!» Hermes começava a topar-lhe os seus débeis dotes «pois é filho, só qu’ isto aqui não é lugar para atrevidotes” Mas lá começaram os dois artolas a subir monte acima (agora com castanholas rimava bem mas as sevilhanas só apareceram uns anos depois) sempre com o menino a apalpar a paciência do seu protector «ó Hermes tu mesmo vestido com esse cobertor pareces-me um bocadinho apertadinho para os lados, quantas de mil é que pagaste ao Praxíteles para ficares com aquele aspecto baril e sem a tua pinta de aventesma» «tu manténs-te é na mesma, e ainda te arriscas a sair daqui sem bênção nenhuma e de mãos a abanar» o menino sentia agora que tinha de se acautelar e dos seus melhores dotes tratar de sacar «se me emprestasses a tua bela lira é que eu fazia aqui um figurão» Hermes ficou então tomado pela nostalgia, mas com os olhos vaidosos «dei-a ao Apolo num momento de remorsos» o menino sentiu como uma mola nova brecha para a piadola «sim tu quando eras puto eras danado para a brincadeira, gamaste-lhe as vacas e fingiste-te inocente como uma freira» mas agora Hermes até já começava a gostar destas chalaças à desgarrada e de tal forma confiava nos seus dons de manipulador que até olhava para o menino com um certo candor «olha, quero-te é avisar que esta deusa não é para brincar, detesta rendinhas e folhos, topa imitações num abrir e fechar d’olhos, não gosta muito de citações e não está para contemplações». O menino receava agora de verdade o momento do encontro com tal divindade, tinha até ouvido falar das cumplicidades de Hermes com Hades, e portanto não sabia se o mensageiro iria jogar com a ironia apresentando-o como uma alma ansiada ou como uma flor que nasce na estação errada, ou se iria forçar aquela outra imagem, duma alma sempre em viragem «estás expectante rapaz...não, não te levo como uma alma penada, doutra forma será apresentada» o menino suspirava, já nem lhe saia uma piada, o momento era terrível, seria tal deusa inacessível, seria a sua bênção uma miragem, mas que arrepio de viagem. Ouvia-se agora uma música ao longe «Ó Hermes, será a Maya a tua mãezinha a chamar-te prá canjinha?» Mas Hermes estava pensativo, será que aquele tolo rebarbativo mereceria tamanha benfeitoria ou ainda devia purgar mais a sua farta mania. «Olha menino com pinta de cordeirinho, eu sou um deus de origem pastoril, e afeiçoo-me ao meu rebanho, mas vergonha é coisa que não tenho e ainda te faço engolir esses badalos no intervalo dum par de estalos» O menino era parvo, ia sorrindo, sonhava que seria bem-vindo, mas ele nem se apercebia do tamanho da encosta que subia «ai credo mas que protector mais desagradável, parece que trazes a azia num frasco, leva-me lá a essa deusa que eu cá me desenrasco» «ai agora que estás quase a chegar é que menosprezas a minha influência e até o meu cuidado, pois olha a deusa que te falei é aquela ali de encarnado» o menino ficou sem fala perante tamanha visão, e porra que nem tinha o Kavafis à mão «falarei de Eros, falarei de Madonna, ela certamente não me dará com a esfregona» Hermes agora queria era gozar o prato «perceberão que não passas dum pechisbeque barato, mas serve-te de treino para o juízo final, abusa lá dessas tuas falinhas de manso e vais parecer um belíssimo tanso» «estou a notar-te despeitado ó Hermes, será que agora em pouca água ferves, ou será que também querias uma bênção destas e sempre te escondestes acobardado no meio das frestas e nunca tiveste coragem de te abalançares, olha põe os olhos no João Soares que até andou de braço ao peito» «ai se eu te apanho a jeito...» O menino sentia o seu companheiro desaustinado, e até começou a ficar preocupado «ó Hermes meu, isso foi qualquer coisa que te cantou o Orfeu». Mas já era tarde para grandes esclarecimentos, estavam face a face com a deusa, não podia haver lamentos, ela vestia dum encarnado puro, o menino mostrou-se seguro, Hermes titubeante, o menino revelou-se confiante e seguiu adiante «ó deusa das bênçãos perenes e honradas achas que merecerei as tuas graças desinteressadas» Mas Hermes ainda não tinha sucumbido nem mareado e tinha o ouvido bem espetado «ó deusa, ó vizinha, este menino só aqui vem criar perigo, treina primeiro as tuas bênçãos comigo, ele chegou aqui porque eu o ajudei senão a esta hora ainda estava lá fora, seria um mero escravo que não valeria a ponta dum chavo». Irá a deusa tirar à sorte. Irá Hermes fazer valer as suas cunhas. Não. Até porque a “perfeição existe”, e bem pode estar numa bênção que ainda persiste.
As novas mitologias emergentes

Conversas pré-outonais e imaginárias pela encosta arborizada do monte Olimpífio



Fatiníades (ninfa do saco azul) com Narcisco (guardião das traineiras do bom Jesus de Matosinhos)



F - Narcisco, querido, vem para cá...eles não te merecem. Vê lá o que fizeram comigo, eu nem sequer matei ninguém; as nossas almas são doces como um figo, mas essas águas andam turvas e o Assis ainda ficou aí para as curvas



N – Oh Fatiníades, ai que saudades eu tinha das tuas palavras amigas, do teu penteado sem espigas, da permanente sempre bem armada, e não há peixeira que não te admire aqui nesta lota abençoada.



F - Narcisco, meu justo, as tuas palavras são o meu bálsamo. Corre, vem de trote para mim. Serás o meu Lot, e eu serei a estátua de sal que temperará o mal e te aliviará os dias



N - Fatiníades, tu és já a minha inspiração mesmo de longe. Sobrevivo como um monge, com a saudade enlatada, e metido numa bela alhada



F - Narcisco, que os novos dias te proporcionem uma abertura fácil. Eu serei o sangacho que acolherá o teu corpo frágil



N - Fatiníades, não sei como agradecer o teu enlevo. Mas como é que eu faço para fugir deste desterro?



F - Narcisco, filho, tu não me digas que não tens o teu saco azul aí bem guardado, aí aconchegado debaixo das saias duma varina, como se fosse a riqueza duma mina.



N - Fatiníades, essa tua ingenuidade é um encanto, então não sabes que essa gente nem respeita as guelras dum santo. Não se pode confiar em quem amanha o peixe, tiram as escamas a tudo o que mexe.



F - Narcisco, a tua guelra será o meu manjar, e na tua popa irei desovar



N - Fatiníades, minha esturjona, rainha do mar, serei doravante o filete mais dócil do teu fatiar



F – Oh Narcisco, serás panado pela voracidade desta gema sem idade, que traz sempre misturada a minha flor mais bem ralada



N - Fatiníades, sinto-me agora libertado, que se lixe o enlatado. O que é bom é o bacalhau do Leblon



F – Narcisco, querido, então nem queiras saber como me põe maluca uma barra da Tijuca



N - Oh Fatiníades, abençoada seja a tua geografia, aqui só me fodem com a refinaria



F – Narcisco, não te apoquentes que não é preciso. No meu oleoduto só desliza bom produto



N – Ah Fatiníades, eu estou prisioneiro das virilhas duma ambição doente, e tu é que devias ser a dona da minha comichão permanente.



F – Vem Narcisco vem, eu sinto-me tão só e com o mealheiro cheio de pó.



N – Fatiníades, suave será contigo o meu espirro, e junto a ti sinto que só cresço e nunca mirro.



F- Narcisco, tu conheces-me, os dois faremos uma canja de Fénix renascidas e depois outros galos cantarão, faremos de Portugal um grande sertão



N – Fatiníades, eu levarei comigo a sagrada padiola, tira a Fénix da gaiola, farei com ela o teu altar e imolarei a minha sanção disciplinar



F – Oh Narcisco, serás o meu Sansão, e eu serei como gueixa com a tua madeixa.



N – Irei Fatiníades, irei, aqui vejo que apenas definho, sinto que já estou no mato sozinho



F – Oh Narcisco, larga tudo, eu farei com que o meu Fel de gueixa seja a nossa única preventiva, que nada te perturbe o sono nem te retire a invectiva



N – Mas Fatiníades dizem que só o poder erotiza verdadeiramente o homem, só ele lhe garante o real magnetismo, como uma gravidade sem abismo



F – Narcisco, eu serei o íman da tua masculinidade, de nada terás de te envergonhar, pôr-te-ei o orgulho no ar, lembra-te que eu sou a ninfa que a todos arrefinfa.

Cantinho do desfazedor



Noutro dia no Modus Vivendi escreveu-se (para dar um ar mais “diáfano” à coisa) um post intitulado “Regra de ouro” que dizia «Não se pergunta, seduz-se com inteligência e ternura em doses variáveis. Cria-se a oportunidade, esperando a benesse divina do desejo. Se não for fácil, nunca será desinteressante» Eu se calhar já não me devia meter mais com ela porque corro o risco de poder ficar a pensar que a estou a “perseguir”, no entanto, eu acho que este texto (que até julgo exprimirá uma ideia muito “típica” dum certo universo feminino) é um dos supra-sumos da estafeta olímpica das ideias feitas. E então.......aqui vai: Este espírito da eterna insinuação, de esperar as respostas sem ter feito as perguntas, que supostamente estaria subjacente a um relacionamento rico, inteligente e que valesse a pena, mais não reflecte que o medo próprio da nossa condição de reféns do “sentimento amoroso”. Só que perguntar é precisamente libertarmo-nos do empecilho típico do “orgulho dos pobrezinhos”, do medo das respostas, do medo de nem sequer obtermos respostas. Perguntar é gostar. Gostar mesmo. Perguntar é muitas vezes até a única maneira de nos esquecermos sadiamente de nós próprios. Uma vida baseada na dupla insinuação-oportunidade esconde outra dupla também muito jeitosa: a da falsidade-desilusão. E sobre o conceito de interessante já nem digo nada. Se Deus (ou “quem” quiserem, até pode ser o “grande chefe touro sentado”) olhasse para nós pelo critério do interesse, então o Purgatório seria a filial duma espécie de “Corporación Dermoestética” especializada em fazer peelings a «benesses divinas do desejo»

E valha-me Deus, mas até eu tenho de desabafar de vez em quando
I’m a material man



Assim mais lá para o fim da tardinha vou ver a Madonna. Aos que ficarem em casa, depois de terem devidamente intelectualizado a razão do seu desinteresse no espectáculo da diva, recomendo-lhes como alternativa a audição da comunicação do senhor Bagão que fará ver ao povo que somos filhos duma Félix Culpa, e que por isso ficámos danadinhos para a brincadeira e para a despesa. Dirá que o Estado se gere como uma família e fará aforismos pseudo-pascalianos entremeados a responsos. Quando chegarem os comentários do génio Perez Metello, lembrem-se que eu nessa altura estarei na “Isla Bonita” senão mesmo já no “Borderline”. Quando aparecer o César das Neves bem podem gritar “Rescue me” que eu só lhes direi para se irem consolar com os vídeos apanascados do Morrisey. Se entretanto a floresta de comentadores se adensar em metáforas sobre a justiça tributária, como de costume certamente bem protegida duma folhagem de palavreado e incompetência, estou convencido que a leitura dum acordo de dupla-tributação ao som dos Magnetic Fields garantirá o merecido adormecer sereno, mas saibam já que em nada se comparará ao meu, que estarei obviamente “Like a Prayer” vivendo um novo milagre do sol. Se por acaso vos aparecer o dito Bago grande de homem em sonhos a cantar o “Justify my Tax”, não estranhem, nem se preocupem, é apenas o vosso complexo de Édipo a remexer-se do último recalcamento a que foi sujeito.
Allez enfants de la tricherie

ensaio sobre a trapaça



Há muitos jogos que só valem a pena porque a batota é bem mais saborosa que a vitória. De facto, o que realmente me motiva em determinados jogos é a batota. Sim, poder fazer batota e não ser apanhado é de longe o mais interessante em qualquer desses jogos. É-me absolutamente indiferente se a batota serviu para ganhar ou para perder, o essencial é fazê-la, fazê-la bem feitinha, é ter enganado os outros e ninguém ter dado conta de nada. Sejam olhinhos, sejam cartas marcadas, sejam agilidades de mão, sejam distracções simuladas, sejam cúmplices bem treinados, sejam convicções teatralizadas; não ser caçado e fazer o “golpezito” é de longe a melhor coisa que um jogo pode ter, e então ouvir dizer «mas como é que este sacana...» é uma verdadeira bênção dos dias.



Não, não é o bacoco amor à subversão das regras, é o amor desinteressado ao jogo, ele mesmo, ao jogo de fintar a vitória desprezando-a e trocando-a por um prazer ainda maior, o amor ao jogo de ludibriar um adversário tornando-o um figurante, um mero cooperante numa espécie de brinquedo muito nosso, numa espécie de “Onanismo ‘R’ Us”. O batoteiro militante e lúdico, é uma espécie de ingénuo profissional e simultaneamente uma espécie de perverso de cartilha, alguém que gosta de se sentir como uma ama-seca que leva os miúdos para o paintbal. Mas, se calhar, não passa duma forma de ser solitário que precisa compulsivamente dos outros para cumprir essa condição.



E é andar sempre no risco, claro. É saber sacrificar a reputação, é saber ouvir um risinho algo desconsolado, algo desinteressado, sempre que dizemos que «também queremos jogar», é não nos podermos dar ao luxo de ficar enervados por estarem sempre a olhar para nós desconfiados, é saber conviver com a ideia de que não somos realmente importantes, e que apenas vivemos das distracções e da incompetência dos outros num parasitismo não biológico, é ter de suportar como que uma alegoria da caverna vivida num duplex com vista para a serra de Sintra a arder mas num postal ilustrado. É o eterno flirt, que às vezes douramos de arte, mas que não passa de espuma, de mero aparte.



Este estado da natureza (só para não estar a falar sempre da alma senão esta desgasta-se) - a batoteirice – tem, no entanto, uma “virtude” suplementar e talvez inesperada: põe-nos a viver no difícil estado de “duplo enfoque”: na “regra” e na “desregra”, ou no “prazer” e na “técnica”. É um treino para estar concentrado e descontraído ao mesmo tempo. É saber “estar” e “não estar” ao mesmo tempo, é ser espectador e artista na mesma peça.



Este batoteiro-por-amor-ao-jogo-feito-arte-feito-vida é aquele que faz jus à eventual e duvidosa etimologia da palavra vinda do italiano “batosta”: o golpe dado na mesa pelo jogador que assim fingia ter ganho; é pois aquele que encontra a sua máxima satisfação quando, tendo perdido o jogo, faz os outros ficarem convencidos que o ganhou sem sequer esboçarem a mínima intenção de ir confirmá-lo. É uma espécie de batota que se tornou de tal forma viscosa que penetra na confiança dos adversários, que lhes mina a racionalidade e os transforma em anões como acontecia às crianças que ficavam tempo demais na “Ilha dos Jogos”. E isto agora até me relaciona com uma curiosa coincidência entre Montaigne e JLBorges que, sem lhes chamarem batoteiras, dizem que os jogos são os trabalhos sérios das crianças. Assim é o batoteiro: o único que leva a sério o jogo.



Por isso é que “esta” batota não é aldrabice, não é subversão, repito-me, é simplesmente estar dentro e fora como que querendo demonstrar involuntariamente que nada é o que é.



Só que a verdade, verdadinha, é que o batoteiro será sempre um eterno medroso muito bem disfarçado e convencido de malandro atrevido e espertalhão. E fazer batota será sempre a irrelevante presença de alguém que tem medo de arriscar uma despedida.
Dramas da continuidade



«Inexperiência. Primeiro título pensado para A Insustentável Leveza do ser: «O Planeta da Inexperiência». A inexperiência como uma qualidade da condição humana. Nascemos uma vez por todas, nunca poderemos recomeçar uma outra vida com experiências da vida anterior. Saímos da infância sem sabermos o que é a juventude, casamo-nos sem sabermos o que é ser casado, e mesmo quando entramos na velhice, não sabemos para onde vamos: os velhos são crianças inocentes da sua velhice. Neste sentido, a terra do homem é o planeta da inexperiência.» de Milan Kundera in “A Arte do Romance


...e não só nesse sentido; acrescentaria.

E eu se calhar tenho mesmo de acabar com isto porque noto que não estou a conseguir conter –me.



Diz o Avatares (ora quem haveria de ser, pois!): «Falo de uma geração nutrida por uma solidariedade transnacional e fortemente apostada na desestabilização trazida pela construção de uma "legalidade inesperada"»



Se esta expressão toda era para descrever o “falo” de uma geração, eu então penso que estamos mesmo fodidos, Bruno.


Vamos pois ao diálogo de gerações, se bem que eu pense – isto é quase pensamento antropológico, hem – que uma geração começa a destruir-se quando começa a ter consciência de si própria (mas isto é praticamente só um “suponhamos” disfarçado)



Temos assim a tal “Geração com Falo nutrido” (G.F.N.) e a outra, a “Geração amolecida no comodismo duma flacidez de ideais” (G.A.C.F.I.), em diálogo:



GFN – Nós vemos já o mundo como ele será, sem constrangimentos, sem privações ideológicas, o mundo será um convés e jamais o nosso coração será um contentor à deriva! Hoje a libertação será uma pílula de certezas, não nos deixaremos corromper pelo supositório (vem do verbo supor, note-se) de valores arcaicos, mas amanhã a libertação será conseguirmos viver todos na Terra como se fosse num grande Útero, banhados pela mesma Placenta.



GACFI – Perdão, vou ter de os interromper involuntariamente, mas não posso deixar de considerar que mais vale ir de veleiro para uma praia deserta comendo abacates, do que dormir num porão e acordar para dizer disparates



GFN – As rimas atordoam os conceitos que valem a pena. É no porão dos grandes mitos que se forjam as verdadeiras epifanias.



GACFI – A música da Simone não é bem assim, no entanto, se querem saber, eu dou-me melhor numa esplanada com uns percebes e vinho branco do que com epifanias e cerveja quente; não gosto de me privar de nada (mas não gramo associações que não tenham chás dançantes), só assim se cumpre a existência hedonista para a qual fomos talhados e que apenas recalcamos por conveniências de aparência social ou moral.



GFN – Com paralisias civilizacionais é que nós não iremos pactuar. Sentimo-nos orgulhosamente uma geração de clivagens. E não nos revemos nos hedonismos, nem de Laclos, nem de Epicuro, queremos Foulcault para sempre.



GACFI – Nós não conhecemos esses gajos que não aparecem nos livros do Paulo Coelho, e por acaso até nos sentimos mais à vontade nas declivagens por causa do ski, no entanto respeitamos os mais radicais, desde que depois tomem banho.



GFN – Uma geração que vive para o asseio das convenções nunca perceberá o seu verdadeiro destino. É nas grandes conspurcações de ideias que se forjam os gritos da verdadeira libertação



GACFI – Vocês vivem agarrados à bigorna, chiça, e quero ver os gritos que ainda vão dar quando se esquecerem lá do dedinho entalado à mercê da martelada capitalista e liberal.



GFN – Não há ferrete nem moral que nos refreie! Não será a viscosidade do vosso lacre que nos fará derrapar! Nós traremos a «legalidade inesperada», nós seremos o diferencial que nos levará ao novo eixo da “solidariedade transnacional”. Seremos uma nova mecânica. As nossas baterias têm os bornes mais deeps e não desfalecerão, não estamos à mercê de qualquer ligação directa com os interesses instalados.



GACFI – Nós para já só fazemos as revisões nas garagens da marca, isso é claramente algo que nos distinguirá estruturalmente! Contamos sempre com o ACP para as falhas do motor de arranque. Não queremos “desestabilizar “ o nosso rumo, queremos chegar ao monte a horas da caçada.



GFN – Nem comentamos os vossos caprichos, é o vosso comodismo que iremos derrubar. Não somos uma “geração de classe”, somos uma “geração de ética revolucionária”. Envolvidos mas não embrulhados é o nosso lema. E só temos laços com o futuro.



GACFI – Vocês saíram-nos foram umas belas prendas. Felizmente que se anda a desenvolver a co-geração e assim vocês ainda serão assimilados. Ou pensam o quê, ó “falos nutridos”, quem manda nisto são as mulheres, e a electricidade é feminina como sabemos, sereis sempre reféns dos úteros que libertardes, sereis sempre joguetes de Afrodite. Liguem à terra, ó pazinhos.



GFN – Não faremos de botões à vossa verborreia de punho rendado. Não seremos os arlequins do vosso burguês comodismo.



GACFI – Tudo menos chamarem-nos burgueses comodistas! Amanhã iremos também fundar uma associação: será a “Não te co(h)ibas”. Jamais fumaremos dessa merda. Também dizemos merda, e só fumaremos “Romeu e Julieta”; Raios Partegas para uma sociedade acomodada. Também temos consciência de geração transgressora, ó caraças.
“Back is on. Somehow on”



...E eu que tinha preparadinha uma referência do E. Cioran (um rapaz também muito esclarecido) retirada da sua (penso) ultima entrevista (já lhe perdi o rasto): «A religiosidade pode ser tola, mas tem raízes muito profundas» (seguido de risos, segundo consta) e encaixava tão bem no último post, que agora fiquei desconsolado de não me ter lembrado, até porque isto de ser profundo tem muito que se lhe diga. Creiam-me.



...mas, vendo bem: dizer aforismos é apenas ir por aí afora. Mais vale estar quieto a dizer desaforos. Ou então ir desabafar.



Nota: a expressão “tem muito que se lhe diga” utiliza-se principalmente quando não se sabe o que dizer.
Desabafos dum crente (em fase) populista



Não, acaba por não ser nada desse Deus pensado, filosofado, provado, ou reprovado, que eu gosto. Um deus assim até irrita. Desse Deus ninguém gosta, aliás nem sequer alguém acredita. Esse Deus só serve para ser contestado ou para vender livros falsos como se fossem atestados. Um Deus muito pensado fica soprado, inchado, e depois não escorre bem pela alma dentro, e então se chegou a entrar lá por aquele corredor estreito, é que só deixa mesmo espaço para o mero conceito. Ou pode ficar demasiado sólido, como uma carga pesada, e a alma mal se aguenta com tamanha empreitada. Ou então fica demasiado diáfano, tão esfumado que parece só lá estar a cumprir um fado. O Deus que eu gosto afinal é do Deus das beatas. O Deus dos desgraçados, dos que cumprem promessas fartas, o Deus que troca uma bisca de arquétipos pelo desfiar das contas dum terço, o Deus que nos embala num berço, que olha com encanto para a pieguice hipócrita dum penitente mal arrependido, um Deus que apareça nos sonhos ao lado dum bandido, mas que ao deslizar pelos neurónios até pareça ferido. Prefiro ter um Deus que me sustente a um Deus que me faça pensar, prefiro um Deus de carrossel de feira a um Deus de labirinto. Prefiro um Deus que exista mesmo a um Deus que faça sentido. Prefiro um Deus de carrinhos de choque a um Deus de playstation.



Sim, prefiro um Deus que me abra os olhos, que me faça pestanejar, a um que me deixe de boca aberta, ou me faça bocejar. Prefiro um Deus de confessionário a um Deus de tábua da lei, mas prefiro um Deus de moral a um Deus de cultura. Antes um Deus que me prenda do que um que me dê soltura.





Fica giro dizer que conhecer ajuda a amar, que conhecer ajuda a acreditar. Mas agora apetece-me é dizer como ontem se podia ouvir “outra vez” ao Lawrence da Arábia: «my fear is only my concern». Também se pode gostar dum bom e desconhecido deserto. E, se calhar, só assim é que desconcertamos os escorpiões: avançando de medo em medo: «à minha maneira», como dizem os Xutos e Pontapés.



Volto a trás. Aproveito e cito um ateu deliciosamente à procura de nada (Beckett, em "Pioravante marche") : «Back is on. Somehow on». Teremos sempre de voltar a nós próprios para que isto de acreditar tenha alguma piada. A filosofia com Deus é essencialmente algo que me baralha, porque se alimenta do emaranhado da nossa condição, e mais especificamente do emaranhado do nosso pensamento. Filosofar é muitas vezes fugir de nós, dando a impressão do contrário. Uma espécie de erro do “espelho do espelho”.



Pois é, e nem sequer me seduz o Deus dos poetas, ou o Deus das crianças, ou o Deus dos místicos, quase que estou a dizer que prefiro um Deus cá das minhas coisinhas. Cada um ataca o deserto como pode. Cada um ataca a eternidade com a ropinha que veste, e não com as palavras de nenhum mestre, o que me faz – erraticamente - ir de encontro a Hölderlin: «Muito tem aprendido o homem/desde o romper do dia, desde que somos um diálogo/ E sabemos uns dos outros; mas em breve seremos um cântico», e agora reparo que esta última em alemão até soa mais gira: «bald sind wir aber Gesäng», ou seja, em tradução mais livre:"ó algodão ainda hás-de cá vir que eu faço-te em ganga". Poderemos ser "Gespräch" (diálogo), pensamento, razão, mas teremos de nos preparar para o dia em que seremos eternamente "Gesäng". É esta também a minha «imagem do tempo, que o magno Espírito amplia». O meu Deus é pois um Deus que (me) estica. “God is also Lycra” apetecia-me dizer, mas acho que assim também já me estou a esticar demais.



Quando comecei a escrever isto já calculava que não acreditaria em metade do que escrevesse, mas agora confronto-me com o facto de não saber qual é essa metade.
Da Terrena Perfeição

( Título copiado, e texto “inspirado”, noutro do modus vivendi de hoje)



Fui acordado com um sonho a meio, e brindado com esta manhã de chuva e quase sem cheiro,



e eu que gostava tanto de ter saído, apanho com três aparelhagens misturando ruído,



quase algebricamente somando a música dos “Black eyed peas”, da ”Pequena Sereia”, e doutra qualquer assim bem foleira,



que nem deu para reconhecer, mas também só lá a pus para os aborrecer,



e o raio do Tejo que daqui vejo não dava para colorir nem um presépio que fosse , e até agora só bebi um horrível xarope para a tosse,



que nem ajuda a poesia a deslizar melhor, porque a cabeça não dá para tanto, é frágil como a pagela dum santo,



mas as mãos mágicas que vejo são as dos meus filhos, quase se esganando à porrada como as tais nuvens numa trovoada,



e tudo também acompanhado com algum verbo, talvez pouco rimado mas não menos engraçado.



E agora vejo, fumo...fumo...só se for da minha mulher que está a chegar e então eu tenho de desligar.

Com Possibilidades

Sentes-te um mero prefixo. Mas vendo bem sempre é melhor que te sentires uma terminação.

Sem Hesitações

Uma andorinha faz uma Primavera. Mas uma folha a cair não faz um Outono.

Hesitações & Possibilidades

Escrever pouco é sempre uma opção decente se não conseguirmos escrever muito. Não escrever nada é também outra boa opção.

Às vezes tenho uma certa pena de pensar assim



Nunca haverá um texto excelente sobre o aborto, nem sobre a vida, nem sobre a morte, nem sobre o sexo, nem sobre a droga, nem sobre o amor, nem... (*)



Limitar-nos-emos sempre a dizer coisas mais ou menos engraçadas, mais ou menos sentidas, mais ou menos com sentido, mais ou menos enroladas.



Lembro-me outra vez do que dizia Ernesto Sabato (quando “relatava” o seu encontro em Paris com E. Cioran): «Os problemas humanos não são aptos para a coerência»



A política foi “inventada” para nos libertar desse fardo que é, muitas vezes, não sabermos o que fazer da nossa condição.



Tal como as aspas foram inventadas para quem tem medo das palavras



(*) e pensando bem nem sobre muitas outras coisas, e não deixa de ser por isso, é verdade, que não se deve pensar nelas
O tema do “Regresso” já alimentou muita pieguice mítica (deve-me ter batido qualquer marreta na cabeça por causa desta coisa dos mitos, porque eu nem gramava isso até há pouco tempo) que é para não falar já das pieguices filosóficas, ou poéticas, no entanto, os tempos para muita gente são de regresso, desse conceito que até foi estragado pelo Direito numa espécie de regresso-“desforra”, desse conceito enublado pelo Sebastianismo numa espécie de regresso-messianófilo, mas que também foi recheado com as boas novas dos cheiros, dos sabores, e das cores vindos com as caravelas dos Descobrimentos (e esta referenciazinha melosa, hem!) numa espécie de regresso-lucro, desse conceito que deu fama e proveito ao Filho Pródigo numa espécie de regresso-perdão, e que, claro, pôs o Ulisses a ter de dar outra vez o corpinho ao manifesto para poder brincar em sossego às enfermeiras com a Penélope num regresso-saudade-descanso, já para não falar no Gilgamesh que acabou por resignar-se num regresso-fatalidade (digo eu), e por aí adiante que eu já não tenho mais moedas.



Hoje o novo dicionário não ilustrado vai apresentar uma espécie de “Eterno Retorno” em versão pechisbeque. (Quando o Nietzsche e o Platão cá voltarem depois eu mando-lhes a conta) Entradas 858 a 868, com os sentimentos que adornam os regressos com menos carga mitológica. Pois todos temos direito à nossa saga. (já que a chaga é garantida)





Curiosidade – Mero parapeito, se nos encostamos muito os vasos de manjericos que enfeitam a imaginação podem cair em cima de quem passa



Ansiedade – O verdadeiro vapor que alimenta a máquina, só se apanha com a fuligem se estivermos contra o vento, ou distraídos com a cabeça de fora a ver quem passa.



Ânimo de recomeçar – A vontade em versão flatulente, se vier acompanhada de soluços a barraca é completa.



Recordação – O incesto do pensamento



Expectativa – Velha raposa que ataca sempre que sente o galinheiro a pensar que já passou a hora da canja



Ilusão – O que transforma o pastor num especialista em costeletas na brasa



Desilusão – O que faz um cordeiro começar a pensar que mais valia ter sido vaca leiteira



Rotina – A verdadeira fonte de novidades, como um novelo é o resultado maduro duma revolucionária fiação, e ninguém tricota directo da carda.



Novidade – A verdadeira fonte de rotinas, como uma retina é o mero resultado duma série de impressões que querem fugir à realidade. Cria dependência.



Surpresa – O que de facto prende mas não consegue agarrar. É uma espécie de realidade em formato de borboto.



Reencontro – Sentimento típico dos pescadores quando estão à “boca” da grelha. Vem acompanhado da nostalgia do anzol.
E não, não vou falar da saudade. Acho que já falei.